América Latina? Aqui?

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Miguelito. Quando estava na universidade (pública) era assim que nos referíamos de forma pejorativa (é, não é muito bonito, mas eu cheguei a usar esse termo uma vez ou outra, especialmente durante o contexto que mencionarei ao fim do texto…) aos estudantes estrangeiros oriundos da América Latina. Ou melhor, era assim que nos referíamos aos estudantes estrangeiros oriundos dos demais países da América Latina. Afinal, nós brasileiros também somos latino-americanos (todos nós) sem dinheiro no bolso (a maioria de nós, pelo menos).

 

Mas, então, se somos originários de uma cultura latina e estamos localizados na América, por que nos utilizamos de um termo pejorativo para definir os “demais” latino-americanos? Por que, de todos os lugares, isso aconteceria justamente em uma universidade (bem conceituada), onde, em teoria, todos saberiam de nossa localização geográfica e de nossas origens culturais (além dos aspectos históricos)?

 

Mesmo com o surgimento do Mercosul que levou a um aumento dos negócios e das oportunidades e do intercâmbio cultural e estudantil entre os países da América do Sul, mesmo com o ensino da língua espanhola em grande parte das escolas da rede pública de ensino, mesmo com o aumento de alunos matriculados em Aulas de Espanhol em São Paulo e em todo o Brasil, mesmo com tudo isso já existindo, um termo pejorativo fazia-se presente e fazia-se ouvir para os estrangeiros latino-americanos. Mesmo em uma universidade considerada de excelência. Mesmo em um curso normalmente ligado a ideais progressistas e bolivarianos (união dos povos latino-americanos).

 

Porque, no fundo, no íntimo – geografia e cultura de lado – América Latina são os outros. Sempre que ouvimos falar em Latinidad, pensamos em argentinos, mexicanos, peruanos, caribenhos e outros, mas, nunca – pelo menos não sem algum esforço – em nós, brasileiros.

 

Como piada, nessa mesma universidade, respondia a alguns de meus amigos dispostos a discutir a integração da América Latina que tal fato jamais aconteceria, não por causa de algum tipo de influência nefasta dos Estados Unidos ou da Comunidade Europeia, mas por causa da Copa Libertadores da América (a Liga dos Campeões da América do Sul). Pois, era nos jogos desse campeonato que os argentinos (e outros, mas principalmente os argentinos) hostilizavam os jogadores e torcedores brasileiros, eram nesses jogos que ouvimos nossos compatriotas serem chamados de macaquitos e, foi durante um desses jogos, que eu – mesmo sendo eu próprio membro de uma minoria dentro do espaço universitário – cunhei a expressão miguelito só apita para miguelito como uma nova forma de xingar os juízes desse torneio (é claro que nada disso justifica o preconceito embutido em minha expressão e a ideia, não muito implícita, de que eles não possuem individualidade).

 

É claro que eu não acreditava (e ainda não acredito) que um campeonato de futebol seja a causa principal da negação de nossa parte da latinidade brasileira. Acreditava sim, como ainda acredito, que as ofensas gritadas, os cânticos de batalha entoados nos estádios, as confusões e as agressões entre jogadores, árbitros, cartolas e torcedores (de ambos os lados) são sintomas e não causas. Porém, era verdade que não acreditava na possibilidade do ideal bolivariano (pelo menos em curto e médio prazo), por motivos completamente diferentes, é claro.

 

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