Amor e Língua: Primeira Parte
Valentim não é meu namorado!
Valentim não é nosso namorado. O que, por um lado, não deixa de ser uma pena. Pois, esse tal de Valentim é (ou melhor, foi) um excelente sujeito (como diziam os rapazes que o conheciam) ou um “fofo” (como diziam as moças que o conheciam). Não há como não concordar com eles. Valentim, bispo católico que viveu por volta dos 280 d.C, continuou a realizar o casamento de soldados, mesmo em tempos de guerra (e o império romano vivia em guerra), o que fora proibido por ordens expressas do Imperador Cláudio II, que acreditava que guerreiros solteiros (sem horário para chegar em casa) eram mais eficazes na manutenção da unidade e na expansão do glorioso império romano. Valentim, embora acreditasse no Glorioso Império Romano e fosse fiel a seu imperador, acreditava mais no amor (de fato, um fofo), por isso, continuou a abençoar soldados e suas amadas, apesar da proibição imperial. Valentim gostava tanto de casamentos que ele mesmo se casou escondido, outra vez desafiando as ordens de Cláudio II.
Não se sabe se por ter abençoado casais demais, pela queda de rendimento das tropas ou por delação de algum marido ou esposa descontente (quiçá, até mesmo a sua própria), o Bispo casamenteiro foi descoberto, aprisionado e condenado a morte pelo próprio imperador.
Na prisão, enquanto aguardava sua execução, apaixonou-se pela filha cega de seu carcereiro e ao oferecer-lhe flores, devolveu-lhe, em um milagre, a visão (mais fofo que isso, convenhamos, impossível!). Antes de sua execução, escreveu a sua amada, não mais cega, uma carta que assinou: “De seu Valentim”. Assim, surgia o vocábulo inglês Valentine, juntamente com o costume de enviar flores e cartões nessa data.
Mas, por que, então, nunca (ou mal) ouvimos falar de Valentim, apesar de seu milagre? Simples! Porque todos desconfiam de homens fofos demais. Até mesmo a Igreja. Pois, embora Valentim seja considerado um Mártir da Igreja, ela própria considera controversa a sua existência (um dos motivos alegados seria o excesso de fofura). Não é sem razão, portanto, que no maior país católico do mundo, um “mero” mártir cuja existência é controversa tenha sido ofuscado em meio a tantos outros santos. Outro motivo seria o de que a lenda e a tradição de Valentim ganharam força a partir do medievo e do renascimento, juntamente com o nascimento da ideia do amor romântico. E, nós, uma nação menina e de pés descalços chutando uma bola de capotão velha, não tivemos, nem um, nem outro.
Embora tenha surgido e se difundido em parceria com a ideia de amor romântico, a tradição de Valentim tomou proporções nunca antes vistas ao desembarcar na América. Os americanos, protestantes, acabaram por dar ao rapaz fofo e gente boa uma atenção jamais antes dada. Ali, na terra do Tio Sam, a tradição dos cartões, flores, bombons e presentes tornou-se um verdadeiro sucesso cultural e comercial. Sendo a própria América um grande sucesso cultural e comercial, não demorou muito até que as pessoas começassem a importar a data e a tradição para seus países. No Brasil, tal tarefa aduaneira coube a um grupo de comerciantes paulistanos.
Mas, por que não manter a comemoração no dia 14 de fevereiro? Por que adiar para o 12 de julho? As teorias são muitas. As menos interessantes (o que não as torna menos plausíveis, pelo contrário) envolvem estações do ano (o frio seria mais adequado ao romance) e a adaptação ao hemisfério sul de festivais pagãos da fertilidade (festivais pagãos tem datas “invertidas” no hemisfério norte e no sul, porque o “ciclo da mãe terra” também é invertido). Uma outra sugere que os comerciantes teriam escolhido a véspera da data dedicada ao santo casamenteiro (Santo Antônio, 13 de junho) de modo a fazer uma referência ao curso das relações (primeiro se namora, depois se casa – ou se tortura Santo Antônio para conseguir casar). Contudo, minha explicação favorita é aquela que atribui o adiamento à proximidade de fevereiro com o Carnaval. Carnaval e Dia dos Namorados não combinam muito bem, e essa ideia não é tão absurda assim, pois todo o brasileiro conhece a história de pelo menos um relacionamento abalado (na melhor das hipóteses) devido a eventos ocorridos durante a maior festa popular do planeta…
Após tantos rodeios, vamos, enfim, a língua. Do ponto de vista de lingüístico, comemorar o dia dos namorados em junho e não no dia 14 de fevereiro é excelente. Afasta-se assim, qualquer chance de aproximação do vocábulo Valentim (ou Valentine) da Língua Portuguesa e se mantém o namorado seguro. Namorado que, afinal, é aquele-que-tem-o-amor. Por mais fofo que seja Valentim, o namorado acaba sendo muito mais bonito.