Amor e Língua: Segunda Parte
Amor sem língua
Já disse aqui, mais de uma vez, diga-se de passagem, que cada palavra possui uma função própria, que cada palavra é o indicador de algo, que cada palavra “aponta” para algo dentro ou fora do mundo, do texto ou da linguagem.Algumas palavras, porém, apontam para várias coisas, possuindo um amplo espectro de significado. Como exemplo, e como assunto deste, tomemos a palavra amor.
Amor é uma palavra que aponta para os mais diversos tipos de afeição. Porém, nós, bons latinos como somos, preferimos, quase sempre, reservá-la ao amor romântico (aquele que lhe deixa abobado e dá aquela vontade de ouvir Roupa Nova). A despeito do uso estar ou não sendo banalizado, ou seja de nem sempre as intenções do falante serem sinceras, o sentido se mantém. Se ao amor é verdadeiro ou não é um problema que cabe à pragmática (ou a vida privada) e não à semântica. Uma das raras exceções de uso comum, talvez, seja aquela revelada no uso da desiludida e difundida expressão: “amor só de mãe”.
Mas, não! Não sou um desiludido. E para provar que nem só as mães são felizes pretendo fazer um breve esboço (daqueles com caneta bic em guardanapo de papel) de um mapa do campo de significados da palavra amor, demonstrar e comentar as palavras contidas em suas fronteiras. Contarei com uma leve influência do Simpósio realizado por Platão durante um Banquete entre amigos, para ajudar a demonstrar que há muito já se sabe que o cupido possui em sua aljava uma variedade de flechas maior do que o Arqueiro Verde:
5 Formas de amar
Amor? Só de mãe – O amor materno é o único alardeado como imutável e eterno. Além disso, é considerado uniforme apesar de se manifestar de diversas formas que geralmente se manifestam em algum ponto entre os extremos da mãe judia (“Não vai comer, filhinho? Se não comer, eu me mato!) e a mãe napolitana (“Não vai comer, filhinho? Se não comer, eu te mato!). Embora, é claro, existam exceções, como a Rainha da Noite, em geral esse amor inclui o auto-sacríficio, cuidado, carinho e proteção em suas fronteiras.
Heróis e bandidos – Os pais, infelizmente, não parecem ser tão bons em demonstrar amor como as mães. Se lembrarmos do Complexo de Elektra, faz sentido que Freud acreditasse que a neurose fosse mais comum em mulheres do que em homens. O amor paterno parece seguir caminhos tortuosos que passam (ainda Freudianamente) pela formação do supereu. Já para Hume, é de nossos pais que tiramos nossa idéia de Deus, sendo esse o motivo de descrevê-lo para crianças como “papai-do-céu”. Enquanto para Fabio Jr., eles são ao mesmo tempo heróis (Bob-Pai) e bandidos (Darth Vader). De qualquer forma é um amor que parece significar força, proteção, autoridade e opressão.
Entre a bola e a namorada, escolhi ela: a bola – Segundo Erxímaco, o médico de Platão, é o amor que nos empurra para a arte, a ciência e a técnica. Esse é o amor que corre nas veias de nós da Language Trainers e cujo objeto (direto) é a linguagem. Esse é o amor que é sinônimo de dedicação, orgulho, ambição, desejo de imortalidade, espírito empreendedor e criatividade.
Amigos são a família que se escolhe – Por fim, temos o amor fraterno. Aquele que se sente por amigos, irmãos, mestres e aprendizes. Aquele de gostar de conversar e de ter a companhia em momentos fáceis e difíceis. Aquele no qual se pode ser mais sincero que em qualquer outro. Aquele onde o que importa é ouvir a voz do coração. Aquele no qual a declaração máxima é: valeu, por existir. Porque amigo que é amigo sabe que é amigo. Embora, em tempos pós-modernos de redes sociais essa relação esteja banalizada. Esse amor não se refere aqueles a quem você pede algo para o Café Mania, e sim, aqueles a quem você pediria ajuda para esconder um corpo!
Esse amor inclui, obviamente, amizade, companheirismo, “parceragem”, camaradagem…. (e disponibilidade na hora em que for preciso esconder um corpo) em seu campo semântico.
Enfim, amor que dizer de saída tudo isso, mas muito mais. É claro, deixei de fora o amor romântico, mas esse é o mais complicado e será tema dos outros posts, de qualquer forma. Apenas como palavra de advertência esse é apenas um micro-guia semântico e cultural e não pretende, de forma alguma ser definitivo, pretende apenas dizer que existem muitas formas de amor e que todas devem ser consideradas, a sua maneira, justas.