Amor e Língua: Última Parte
Ainda encontro a semântica do amor
Semântica é a ciência que estuda o significado. Concentra-se, portanto, no estudo das relações entre os significantes (palavras, frases, signos e símbolos) e os seu denotata. Ou seja, no estudo dos signos e do que eles significam, da idéia ou conceito para o qual eles “apontam”. Contudo, quase que por ironia, a própria palavra semântica “aponta” para mais de um conceito. Aquele citado acima é apenas o sentido mais técnico, aquele que se refere a ciência estudada nas faculdades de linguística. Mas, semântica também tem um sentido popular, no qual, é praticamente sinônima de conotação. Nesse sentido, a semântica torna-se a arte de bem escolher as palavras, a arte da escolha da palavra correta para denotar (“apontar”) a coisa correta. Justamente esse sentido popular, ou menos técnico, é o que precisamos para este post. O problema deste, contudo, não é buscar exatamente o bem utilizar da palavra amor. Isso passa pelos meandros obscuros, obtusos e curvilíneos da sensibilidade de cada um. O assunto deste é bem mais simples (pelo menos, bem mais simples do que seria esse outro), o problema a ser tratado aqui é posterior, o problema aqui é qual significante utilizar para denotar a pessoa amada? Obviamente que tal problema só se põe quando a pessoa amada em questão assume o papel da terceira pessoa do discurso. Pois, quando essa é a segunda pessoa, e usamos o vocativo, tudo fica muito fácil. Basta utilizar qualquer apelidinho carinhoso, fofo e cheio de vogais que vier a cabeça: bizunginha, mosi, borboletinha…
Até pouco tempo atrás, tal problema não existia Namorada –> Noiva –> Esposa -> Falecida e ponto final. A distinção entre todos os termos era muito clara. Contudo, em nossa era de relacionamentos fluídos, como definir o status semântico da pessoa com a qual nos relacionamos? Segue abaixo algumas sugestões e comentários sobre significantes pouco ou muito utilizados.
Peguete: Gíria derivada de “pegar”. Aquela que está se pegando. Há quem considere um pouco vulgar, machista (não pelo fato de não ser ficanta) ou simplesmente horrível mesmo. É extremamente adequado quando se tem menos de 20 anos, usa-se cabelo moicano, bermudas largas e escuta-se funk (ou Restart, ou Luan Santana) no celular sem fone. Depois, dessa idade, soa anacrônico e ridículo (assim como todas as outras atitudes “joviais” supracitadas…).
Ficante: Aquela com quem se fica. Considerado bem menos vulgar e adolescente (além de mais pró-direitos das mulheres). Pode ser usado tranquilamente até em idades mais adultas e em ambientes menos informais. Começa a soar estranho quando você fica com sua ficante durante mais do que alguns meses (começa a dar a idéia de que, você ainda não quer se envolver…)
Garota (o): Aos 15 anos soa “Altas Horas” demais. Aos 20 soa correto. Aos 30 soa lisonjeiro (algo como “veja como ela/ele parece mais jovem”). Aos 40, levemente irônico. Aos 50, como uma piada de mal gosto…
Amante: Essa seria perfeita. Aquela a quem se está amando (mesmo processo de derivação da ficante). Porém, a evolução social da palavra acabou associando-a ao adultério e, assim, perdeu-se uma excelente, e bela, opção semântica (o mesmo vale para a sonorissíma concubina).
Fitinha: Válido tanto para o masculino quanto o feminino. Deve ser reservada a ambientes completamente informais (exemplo Roda de Amigos) e aos casos ainda não consumados (a fitinha é a potencial ficante).
Gata(o): Lisonjeiro, curto, vocálico e independente de idade. Mas, não atemporal. Usar esse termo dá a impressão de que a sua paixão de adolescência era a Malu Mader (nos tempos de “Anos Dourados”).
Namorada (o): Os relacionamentos se tornaram tão fluídos que namorada(o) é reservado, agora, apenas aos casos mais importantes (embora, todos comemorem o dia dos namorados). É muito comum o uso da expressão: :“não estou namorando, só ficando”. Como então, diferenciar o ficar do namorar? Como determinar exatamente quando a relação ganha o grau de importância suficiente para atingir esse status semântico? Sugiro aqui, meu critério pessoal: namorada (o) é aquela que se apresenta para mãe (ou para o pai no caso das meninas).
Obviamente não consegui abranger aqui todo esse rico campo semântico. Muitas outros significantes podem ser utilizados desde a criação de expressões originais (a mulher que me faz querer ouvir Roupa Nova), a utilização de clichês (a mulher da minha vida), adaptação de termos de outras línguas (date, affair) e até gestos (coraçãozinho Restart) Enfim, vale tudo. Porque o importante, ainda que tenhamos essa necessidade louca de deixar as coisas bem definidas, é estar bem, quere bem. Se isso acontece, com o tempo as coisas certamente, hora ou outra, se definem. Tanto romântica quanto semanticamente.