De quem é essa palavra?

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Os projetos de lei designados pelas siglas, em inglês, SOPA e PIPA (que estranhamente formam palavras que denotam coisas agradáveis em português) do congresso americano para a regulação dos direitos autorais na Internet e as ações concretas do FBI contra os sites de compartilhamento de arquivos colocaram os direitos autorais no centro de todas as mesas de discussão (virtuais, etílicas ou cafeínicas).

 

Obviamente, os direitos autorais não podem ser abolidos. Não apenas porque é um “direito” do autor ser pago e ganhar dinheiro com sua obra (como é direito de qualquer um receber uma compensação financeira pelo trabalho que aplicou em algo), como também é essencial para a manutenção da própria atividade artística (ou escritores vão ter que voltar a trabalhar como funcionários públicos – como Kafka e Machado de Assis; e os poetas e os pintores precisarão recorrer a cicerones). Contudo, também é óbvio que as novas mídias de transmissão e produção de cultura não podem ser ignoradas, evitadas, censuradas ou destruídas. Mídias são tecnologias e tecnologias ao contrário da cultura, ao menos da boa cultura, se tornam obsoletas. Logo, a solução é encontrar uma saída que utilize as inovações tecnológicas, sem prejudicar o criador do produto cultural. O difícil é encontrar uma saída que consiga separar o que é tecnologia e o que é produção cultural para que os novos meios de distribuição passem a ser utilizados sem incorrer em prejuízo profissional ou financeiro para os criadores.
Mas, este não é um blog sobre direitos ou leis, e sim, sobre palavras. E qual a relação das palavras com a questão dos direitos autorais? Simples. Pode ser resumida em uma (ou duas) perguntas “quando palavras ou conceitos deixam de serem palavras ou conceitos e se transformam em marcas registradas ou em propriedade intelectual?”; “quando e como maçã deixa denotar uma fruta e um símbolo (tanto do pecado quanto do conhecimento) e passa a denotar objetos tecnológicos que são símbolos de inovação, de status e de “hype”?

 

No caso da maçã parece não haver problemas que não possam ser resolvidos pelo simples bom senso (eu acredito que, no fundo, a grande maioria dos problemas pode ser resolvida apenas com uma aplicação de bom senso, mas isso é outra história), afinal essa é uma palavra comum e ninguém sabe quem a cunhou. Mas, e no caso de um neologismo ou conceito criado por um artista, escritor ou filósofo? Mesmo que ele não tenha sido registrado como marca (porque não é uma marca) essa palavra poderia ser considerada sua “propriedade intelectual”? Poderia ele tentar regular seu uso ou ao menos seu uso “comercial”?

 

Essa é a nova questão de direitos autorais que está no centro das mesas (virtuais, etílicas ou cafeinicas) do Brasil e como, quase sempre, nessa questão envolve inventivos artistas pop e uma grande empresa. Porém, ao contrário do que se espera, dessa vez não é a grande empresa que quer proibir o uso ou assimilação da sua marca em um meio da cultura pop e sim um grupo de inventivos artistas pop que quer impedir o uso do nome de seu movimento (e de algumas de suas canções) por parte de uma grande empresa.

 

A grande empresa no caso é a Odebrecht, uma das campeãs nacionais, uma das maiores construtoras (se não a maior) do país. E os artistas inventivos em questão são: Gilberto Gil, Caetano Veloso, Rita Lee e Tom Zé, alguns dos maiores artistas do país, sem sombra de dúvida.

 

O termo, a palavra, em questão é Tropicália. O movimento da MPB iniciado e levado a cabo por Gilberto Gil, Caetano Veloso, Rita Lee, Tom Zé e muitos outros. Esse é o nome que a Odebrecht quer dar a seu novo empreendimento imobiliário, localizado na cidade de Salvador, capital da Bahia – estado natal de Gilberto Gil, Caetano Veloso e Tom Zé e, consequentemente, também da tropicália.

 

O que foi a tropicália de Caetano, Gil, Zé e tantos outros, o que será a tropicália da Odebrecht e o porquê dessa escaramuça (que pode se tornar jurídica) veremos nos próximos post.

 

Já que eu, assim como um personagem de Saramago, acho que as histórias devem ser contadas ao contrário, começarei explicando o que será a tropicália da Odebrecht e quais são as referências às canções dos tropicalistas (especialmente de Veloso), para só depois explicar o que foi a Tropicália dos artistas e porque eles acreditam que as duas tropicálias são completamente contraditórias.

 

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