Ê Saudade…
Não existe palavra que dê mais orgulho a nós brasileiros do que saudade. Existente somente no português (e no galego) já foi considerada pelos tradutores britânicos como a 7ª palavra mais difícil de traduzir no mundo. Essa palavra nos orgulha tanto, que criamos um dia só para ela (30 de Janeiro). Só para esse sentimento que apenas nós somos lexicalmente equipados para expressar plenamente.
Sempre que alguém tenta explicar a um não-falante de português o sentido da saudade tropeça em várias dificuldades. Procure em um dicionário bilíngüe e você verá uma infinidade de traduções. Os italianos tentam defini-la às vezes com mancanza, às vezes com nostalgia. Os ingleses são obrigados a fazê-la verbo em miss (missing) ou a seccioná-la em lovelorn ou homesick. Os alemães então não seccionam, fragmentam: Heimweh, liebskrank, Fehlen….
Mas qual delas (palavras) ou qual deles (sentimentos) é a saudade? Todos e nenhum. Experimente perguntar a um brasileiro e certamente ouvirá uma definição. Uma resposta pronta, da ponta da língua, como se fosse simples. Pergunte a outro e obterá novamente uma resposta simples. Mas, diferente. Nem mesmo nós chegamos a um consenso sobre o que é a saudade. Porque cada um de nós, no fundo, sente saudade de uma coisa. Completamente diferente. Há quem sinta saudade da infância, do primeiro carro, do mar, do samba-canção, da samba-canção, de um parente falecido, de um amigo, de um amor, da boa fase do time de futebol, do ICQ, dos paletós com ombreira…
A dúvida ainda vai aumentar se você perguntar se a saudade é um sentimento positivo ou negativo. Há quem seja partidário de Chico Buarque e ache que “a saudade dói como uma fisgada em um membro já perdido”, ou seja, que não exista dor como a dor da saudade. Nada dói mais. Dor alguma. A saudade do samba e do chorinho, herdeira direta daquela que levava à morte os escravos aprisionados em nossa terra tão distante da mãe África. E há quem pense como o Jamil (“Ê, saudade/Que bate no meu coração/Sei que é tarde…/Mas não desligue não”) que a saudade não seja tão doída ou trágica assim. Que a saudade pode, muitas vezes, ser positiva. Que não há nada melhor do que sentir aquela saudadezinha de quem se ama, só pra poder dizer quando se encontra: “Estava com saudades”. E que delícia é ouvir tal frase, seja da namorada, da irmã, da tia que mora longe ou até daquela pessoa da qual você, no fundo, nem gosta tanto assim.
Para mim, contudo, ninguém explica melhor a saudade, pelo menos no que diz respeito aos amores, do que Luiz Gonzaga, interpretado no vídeo abaixo por Lenine:
Não é a toa que nos orgulhamos tanto dessa palavra. Não é a toa que temos um dia só para ela. Não é a toa que ela seja a palavra mais usada em músicas e poesias, depois da palavra amor. Porque no fundo a “saudade” é como a lingua portuguesa. Polivalente, sonora, ambígua, musical. Capaz, enfim, de ser melancólica e linda ao mesmo tempo.
Nota: Para aqueles que não conhecem, o Fel é doce perto do Jiló… mas, o Jiló é assunto pra outro post.