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Quando o marxismo era moda entre os intelectuais, a culpa era do sistema e dos países ricos. Durante a ditadura militar, para os militares a culpa era dos comunistas, para os comunistas era dos militares. Nos primórdios da globalização, a culpa era do modelo neoliberal e do FMI. Para os historicistas, a culpa era do modo pelo qual foi levada a cabo nossa colonização, de termos perdido a Guerra dos Farrapos ou de termos vencido a guerra do Paraguai. Enfim, com o decorrer dos anos, inúmeras explicações foram dadas para o nosso subdesenvolvimento. Explicações e explicações, mudando mais rápido do que a cor da estação, para o fato de sermos sempre o país do futuro e nunca o país do presente. A explicação da estação, aquela que está fazendo bonito nas páginas dos jornais e nas mesas de bar é a de que “o mal do Brasil é o brasileiro”. Em uma radicalização/massificação da teoria do sociólogo alemão Max Weber (cuja a obra mais famosa é “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”), a moda agora é atribuir nosso subdesenvolvimento a uma questão cultural. Questão essa denotada idiomaticamente pela expressão “Lei de Gerson”.

A “Lei de Gerson”,que seria a primeira lei cultural-comportamental do brasileiro, constituiria em a despeito da legalidade, honestidade, moralidade e ética, “tirar vantagem em tudo”. Ou seja, aproveitar-se, conseguir benefício para si próprio em toda ação ou acontecimento sem levar em conta qualquer lei jurídica, dos costumes ou da ética. O importante seria “se dar bem”. A origem dessa lei estaria ligada a um comercial de 1976, protagonizado pelo, então ex-jogador da seleção brasileira Gerson (que acabou batizando a tal da lei). O comercial está disponível para visualização no Youtube.

Mais do que considerar a lei de Gerson como uma explicação simplista para a parte que nos cabe da incompetência da América católica (talvez, todos os supracitados sejam culpados ao mesmo tempo, talvez alguns, talvez nenhum deles), considero a própria expressão idiomática “Lei de Gerson” uma injustiça. Porém, essa é uma injustiça diferente de todas as outras que já tentei demonstrar neste blog. Essa injustiça não é semântica, é histórica. Sua vítima não é uma palavra, mas uma pessoa: Gerson. A despeito do fato de ter feito o comercial para ganhar um dinheiro extra, muitos jogadores fazem coisas muito mais imorais hoje em dia, atrelar seu nome a desonestidade e a canalhice me parece a mesma coisa que ligar toda a falta de instinto paternal a David Prowse (ator de Darth Vader). Além do fato de estar claramente interpretando um papel, corre-se o risco de que Gerson torne-se mais conhecido no futuro como ícone da desonestidade do que como o brilhante meio campista que foi. Um meio campista como não se faz mais hoje. Perto dele Zidane era míope (futebolisticamente falando). Lançamentos hoje espetaculares de 50 metros, eram normais e corriqueiros para o canhotinha de ouro, uma simples questão de levantar a cabeça e bater com precisão na bola usando sua perna esquerda. Depois de ver alguns desses lances e depoimentos, pense bem se um jogador de tal talento, mais do que isso uma pessoa querida por familiares e companheiros, merece sua imagem associada a tais adjetivos depreciativos. Deveriam, realmente, 30 segundos de uma interpretação para um comercial sobressaírem a tantos anos de uma carreira solidificada com títulos, lançamentos e assistências geniais?

Poucos sabem, mas existe uma verdadeira “lei de Gerson”. Não aquela escrita por um redator publicitário, não aquela anunciada durante a interpretação de um papel em um comercial, mas sim, uma lei criada e dita por ele mesmo, como resposta aos comentários de que pouco corria em campo: “quem tem que correr é a bola”. Essa é a verdadeira “lei de Gerson” que signifca que por mais nobre que seja o esforço, não pode (e não deve) substituir o talento, o pensamento, a inteligência e a criatividade; que se você está precisando se esforçar demais é sinal de que alguma coisa está errada. Essa é a verdadeira “lei de Gerson”. Quem sabe, nossos problemas residam justamente em não seguir a verdadeira lei de Gerson. Quem sabe, a solução esteja em nos deslocarmos menos e de forma mais inteligente pelo gramado enquanto a bola, essa sim, cruza o campo, de um lado a outro.

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