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Parte 1: A Locomotiva

Devido ao tamanho, este texto será dividido em duas partes denominadas, respectivamente, com o perdão do trocadilho de “A Locomotiva” e “Os Vagões”. Tal denominação não constitui referência a nenhuma suposta prioridade ou importância, é apenas um trocadilho pelo trocadilho.

 

Como o Brasil é um país de proporções continentais é normal que o português brasileiro apresente uma série de variações regionais. Afinal, cada região possui uma cultura diferente, uma história diferente, recebeu imigrantes diferentes e sofreu influências diferentes. Por não apresentarem diferenças estruturais significativas (a maioria das diferenças se resume a algumas palavras e expressões idiomáticas exclusivas de determinada região), tais variações não chegam a constituir dialetos propriamente ditos (embora, muitas vezes sejam consideradas como tais para fins de referência, estudo e pesquisa). Portanto, tais variações não chegam a impedir ou dificultar (muito) a comunicação entre pessoas oriundas de regiões diferentes. Assim, as variações regionais brasileiras acabam sendo muito mais uma forma de expressão da identidade cultural regional do que dialetos em si, acabam resultando mais em situações engraçadas do que em situações de grave mal entendido, acabam, enfim, adicionando variedade, “sabor” e beleza à língua portuguesa brasileira.

 

Uma das variações regionais mais conhecidas e famosas por suas peculiaridades é o “dialeto mineiro”. Embora possua um ritmo mais tranquilo (que lembra um pouco a melodia dos dialetos nordestinos), é uma das variações mais rápidas do país, graças a sua característica de emenda de palavras e de omissão das sílabas finais. (Usando uma famosa brincadeira com os mineiros como exemplo, “onde que eu estou?”, soaria como algo parecido com “o’ queu ´tô?”).

 

Com o advento da internet e das redes sociais, que geraram uma enorme facilidade de expressão, muitas pessoas usam as variações linguísticas como bandeira do orgulho regional. Porém, muitas vezes, à semelhança do que ocorre com muitas discussões e debates na internet, tal orgulho regional é nublado pela vontade de “vencer”, de “estar certo” e de provar-se superior ao outro. E, como em todas as vezes que isso acontece, a verdade e o bom senso são as primeiras vítimas.

 

O debate em questão diz respeito ao termo “trem”. Enquanto o restante do país usa o termo para se referir ao comboio ferroviário, os mineiros o usam para se referir a qualquer coisa, ou seja, os mineiros o usam como sinônimo de “coisa”. Seu uso pode ser ilustrado pela seguinte situação:

 

Um casal de mineiros de mudança está esperando o trem na estação com todas as suas malas. Ao avistar o trem, o marido fala: “Mulher, pega os trem que a coisa está chegando” (assim mesmo, sem plural).

 

O argumento em questão difundido nas redes sócias seria o de que os mineiros estariam “certos”. De que o trem (no sentido do português brasileiro “geral”) seria em sua origem trem de ferro, justamente para que se diferenciasse o trem de ferro dos outros trem. Portanto, a palavra trem primeiro teria sido usada como sinônimo de um conjunto de coisas e só depois, por alteração do termo trem de ferro, teria passado a ser usada para designar o veículo ferroviário.

 

Ao ouvir tal explicação, fiquei um pouco desconfiado. Principalmente devido à semelhança do termo trem com outras línguas (treno, train, etc.), já que tal semelhança, geralmente, indica que o termo possui uma origem comum a todos os idiomas. Que origem, porém, seria essa? Bom, aproveitando que isso é o mais próximo de um cliffhanger que um blog sobre linguagem pode chegar, fiquemos por aqui. Responderemos tal questão no próximo post.

Comentários sobre O trem do mineiro