Onde e quando mesmo?
Logo no início do post anterior, referi-me ao fato de que muitos estudiosos (dentre eles o famoso psicanalista francês Lacan) acreditam que não escolhemos as palavras por acaso. Há muito mais por trás da escolha do vocabulário do que a praticidade, a harmonia, a dissonância fonética ou os jogos de linguagem. Para esses estudiosos o fato de escolhermos uma palavra ou expressão ao invés de outra pra designar determinado denotata revela muito sobre nosso ego, sobre o nosso superego, sobre o nosso inconsciente e sobre as nossas opiniões.
Progredindo (e engajando) esse pensamento, podemos, então, dizer que as preferências políticas também são reveladas por meio do léxico escolhido. No restante do post anterior, em minha tentativa de versão de Destra – Sinistra (Direita – Esquerda) do cantor, showman e pensador italiano Giorgio Gaber, enumerei diversas atitudes e objetos cujo o fazer e o possuir revelariam a orientação política (direita ou esquerda) de alguém. Contudo, como o próprio Gaber deixa claro (e eu também tentei deixar), essa diferença, por se encontrar em coisas e ações menores acabou por se tornar por si mesma uma questão menor. Tão menor que, ainda mais depois da queda do muro de Berlin, não faz, no fundo, a menor diferença.
Embora, o alinhamento político não se limite mais apenas a direita e esquerda (temos os extremos, dos dois lados, os centos, dos dois lados, os verdes, etc.), esses eixos continuam sendo os principais do alinhamento político. Embora variem muito de país para país (Obama é considerado de esquerda para os padrões norte-americanos ou ingleses, porém, para os padrões brasileiros ou alemães seria considerado no máximo de centro – com uma pequena queda para a esquerda – e, quem sabe, pelos padrões italianos poderia ser considerado até mesmo um social democrata cristão). Enfim, sem mais delongas, vamos ao objetivo deste artigo que é a apresentação do infalível teste linguístico para o reconhecimento do alinhamento político de um cidadão.
Primeiramente, convém ressaltar que em algumas situações o teste não se faz necessário. Seu professor de história (ou de filosofia) será certamente de esquerda (a menos que chame Marx cristão disfarçado, o que faz dele um nietzscheniano). Aquele oficial da reserva que lembra com saudade do tempo em que “havia respeito neste país” é com certeza de direita (a menos que seja um espião russo). Outro caso no qual o teste não se faz necessário é o dos jornalistas (que possuem mais de 40 anos de atividade). Pois, no final dos anos 60, os militares assumiram o controle do país e dois fatos relacionados à ditatura militar dividiram os jornalistas entre pró (de direita) e contra (de esquerda).
Como a ditadura exercia uma ferrenha censura sobre a imprensa, na verdade, sobre todas as formas de comunicação e arte, mas por sua natureza periódica, a imprensa entrava em choque constante com tal censura, os estudantes de jornalismo da USP (universidade pública, de esquerda) resolveram realizar uma manifestação. O problema foi que essa manifestação encontrou com outra manifestação, que por sua vez era realizada pelos alunos do Mackenzie (Universidade Particular, de direita). Uma pequena confusão, muito longe de uma batalha campal, se formou e parece que a única e lendária vítima teria sido o jornalista e âncora Boris Casoy, integrante das hordas da Mackenzie (consequentemente, de direita), que teria sido atingido com um soco no nariz. Logo, todos os jornalistas da velha guarda, que estavam na Universidade naquela época ou que ingressaram pouco tempo depois daquela época, sabem exatamente quem é de direita e quem é de esquerda.
O segundo evento envolvendo jornalistas, contudo foi um muito mais grave. Tendo resultado em uma vítima fatal. O jornalista e professor da USP (de esquerda) Vladimir Herzog, após duras críticas ao regime militar foi aprisionado e encontrado morto em circunstâncias misteriosas. Sua morte foi (muito mal) explicada oficialmente como um suicídio. Os jornalistas brasileiros se uniram em um abaixo-assinado para que investigações mais profundas fossem realizadas. Alguns jornalistas assinaram (de esquerda), outros não (de direita). E todos os principais jornalistas brasileiros que estavam em atividade na época sabem quem é quem.
Mas, nos tempos de hoje em que não se sabe mais quem é “chapa branca” (são todos chapa “furta-cor”) se faz necessária a realização do teste e para isso, mais uma vez precisamos fazer referência a tomada do poder por parte dos militares.
Os militares assumiram o poder no Brasil, depondo o presidente democraticamente eleito, João Goulart, no ano de 1964, em um processo que se estendeu pelos dias 31 de março e 1º de abril. Isso é o que se sabe. Isso é o que se precisa saber para realizar o teste. Agora, basta mencionar o fato à pessoa que se deseja testar. Caso ela se refira a esse fato como “a revolução de 31 de março”, ou qualquer variante disso, não há dúvida, a pessoa é de direita. Agora, se ela se referir (ao mesmo fato) como “o golpe militar de 1º de abril” ela é inquestionavelmente de esquerda.
Esse teste linguístico é infalível e muito fácil de ser aplicado. Tendo como o único inconveniente o fato de funcionar apenas em brasileiros que tenham o mínimo de conhecimento da história nacional (esse número não é tão grande quanto sugerido pela obviedade, lembrem-se do nosso sistema educacional).
Pronto! Agora que já sabemos como detectar o alinhamento político de alguém no eixo direita-esquerda por meio de um pequeno teste linguístico, estamos prontos para investigar palavras e conceitos mais específicos que indicam, mesmo que sem querer, o alinhamento político exato do cidadão. Como os extremos sempre são menos sutis, incluindo na escolha do vocabulário, são mais facilmente reconhecíveis, portanto, será por eles que começaremos. Ou melhor, continuaremos, no próximo post.