Os mano, as mina
No post anterior, eu disse que São Paulo – nossa querida selva de pedra – pode não ser a Cidade do Pecado (ou pelo menos, não apenas a cidade do pecado), mas é a Cidade dos Paradoxos. Na verdade, no país das diferenças e dos paradoxos, nada mais adequado que os maiores deles se manifestarem na maior de suas cidades. A cracolândia e os Jardins, o terraço Itália e os inferninhos da Augusta, os condomínios fechados e os ambulantes vendendo água pelas ruas, a maior malha rodoviária do país, imóvel durante horas.
Mas, esses paradoxos são grandes demais para este blog (ou off-topic demais). Estou aqui para continuar a falar do menor deles: do plural. Como São Paulo, a cidade mais plural do país (a cidade de todas as tribos) resolveu eliminar o plural dos substantivos ao falar? Como isso se dá? Quando isso é perceptível? E por quê?
Perceber isso é muito fácil. A todo momento, em todo lugar. Basta ir até a estação de metro onde você deve pedir dois unitário, passear pela vinte e cinco de março que é o melhor lugar para comprar umas coisinha e depois terminar o passeio no mercadão que é o melhor lugar para comer uns pastel. Continuando suas andanças (ou deveria dizer suas andança) pela capital, você logo encontra uns mano que lhe indicam o melhor caminho pelas linha do metrô e dos trem e quantas baldeação você deve fazer. Tudo isso, para chegar até a Vila Mariana com seus muitos barzinho para tomar umas breja sossegadinho. E, caso você curta um agito, os mano também podem indicar como fazer para chegar a umas balada de elite, porém dificilmente haverá busão ou metrô para voltar, então você deve ligar ou esperar pelos taxi. Agora, se você preferir um divertimento mais alternativo (com um que de hipster), pode rodar pelos inferninho da Rua Augusta, atrás de umas tribo urbana, de umas banda alternativa e de umas mina descolada.
Espero ter deixado claro acima que o esquecimento do plural não é só uma prática dos mano, mas é uma prática generalizada em São Paulo, até entre aqueles que são cheios de gadget e comem muitos cupcake.
Mas, por que isso ocorre? Por que esse descaso paulistano com o plural? De onde vem esse descaso natural e local com uma concordância nominal que a maior parte daqueles que burlam certamente dominam?
Com certeza existem explicações linguísticas confiáveis e trabalhos de pesquisa de referência a esse respeito. Trabalhos de conclusão de curso, dissertações de mestrado, teses de doutorado, papers de professores doutores em linguística. Infelizmente, eu não conheço nenhuma dessas explicações. Não conheço porque nenhuma delas, no fundo, irá esmiuçar o fato e explica-lo com clareza e certeza absoluta. Jogarão luz sobre o fenômeno, é claro. Exumarão sua história. Farão uma autopsia de seu desenvolvimento e funcionamento. Mas, nenhuma dessas explicações e desses procedimentos acadêmicos realmente me interessa. E, talvez, não interesse a vocês também, por isso vou criar minha própria teoria completamente lendária e pseudocientífica: São Paulo (sim, a cidade como um todo) resolveu eliminar o s do plural por culpa do Rio de Janeiro (sim, a cidade como um todo).
Calma, explico. Se São Paulo tem um espírito esse é um espírito ansioso e apressado. Lá se acorda como o hino “vambora, vambra. Já está na hora vambora, vambora”. Nada é mais valioso para o paulistano do que o tempo (que ele não aproveita, já o despenderá em um engarrafamento, tentando estacionar, esperando o metrô – como eu disse – uma terra de paradoxos). Todo o segundo é importante. E, cá entre nós, falar o “S” do plural à moda carioca (“shhhhh”) com tamanho chiado leva bem uns três milésimos de segundo. Uma frase inteira no plural com “s” pode levar de dois a três segundos a mais do que uma sem “s”. Dois ou três segundos a mais que podem ser a diferença entre ficar preso ou não no congestionamento, entre arrumar um lugar para sentar no ônibus ou no metrô ou fazer a viagem em pé… dois ou três segundos que na verdade, não resultarão em nada disso. Mas, no fundo, os paulistanos não têm culpa, nem consciência disso estão apenas seguindo o “Stadtgeist” (o espírito da cidade).
Um Stadgeist que embora excessivamente apressado, estressado, ansioso e preocupado com as hora, aprendi a amar.