Porque o Superman é bom?
Parte 5 – Você está destinado a coisas maiores, Clark
Voltamos (dessa vez conforme o prometido) para a quinta e última parte da postagem a respeito do novo filme do Superman, em virtude do lançamento do novo filme do herói (The Man of Steel). Esta parte concluí as discussões iniciadas na Parte 4, abordando diretamente o novo filme produzido, escrito e dirigido pelo trio Nolan, Goyer, Snyder. A Parte 3 aborda a moral do Superman no filme original de Richard Donner (1978), a Parte 2 trata da Justiça, da Verdade e do Modo Americano e do Superman antes dos anos 70 e a Parte 1 explica brevemente a importância da questão moral para este que pode ser considerado como o mais famoso personagem ficcional do século XX.
O Ataque dos Bullies
Outra passagem do filme que ilustra – e representa – essa nova abordagem do personagem mais famoso do século XX é aquela na qual um Clark ainda pré-adolescente, ainda na cidade de Smallville (aliás, eu adoro a versão brasileira do nome: Pequenópolis) é atacado por um grupo de valentões do colégio. O menino tímido e retraído (e estranho, como vimos em outra passagem em flashback que mostra a infância do herói) é jogado na lama e provocado pelo grupo. Mais uma vez, Clark demonstra raiva, uma raiva reprimida tão poderosa quanto ele próprio. (Aliás, a repressão é outra característica das abordagens mais modernas do herói, que talvez seja tratada de forma mais detalhada na já confirmada sequência). Porém, não reage. Dessa vez, a ajuda vem de seu pai (seu superego, lembra da discussão “freudiana” da Parte 3?). Tudo o que sobra é uma barra de ferro amaçada no canto da tela.
Essa segunda cena, além de reforçar a primeira, deixa clara a origem da diferença entre essa abordagem do Superman e a anterior: seu pai terráqueo: Jonathan Kent.
O Pai por Kevin Costner
Enquanto o Jonathan do Superman original de Richard Donner era um velhinho bondoso e provinciano, o Jonathan por Kevin Costner é um homem duro e pragmático. Enquanto o Sr. Kent anterior falava de bondade, altruísmo e valores cristãos, o novo Sr. Kent fala de incertezas, decisões duras e de pragmatismo: “Você está destinado a coisas maiores, Clark”.
“Ele não vale a pena”; “Você está destinado a coisas maiores, Clark”. Essas duas frases sintetizam a resposta de Man of Steel à questão fundamental (mais detalhes na Parte 1) sobre o Homem de Aço. O azulão não tenta dominar o mundo (o que muito provavelmente conseguiria, vide Hipérion em Esquadrão Supremo, o próprio Superman de A Foice e o Martelo ou o ex-herói de Irredeemable de Mark Waid – todas leituras extremamente recomendadas, especialmente este último, que ainda serve como um excelente exercício no aprendizado avançado / domínio da língua inglesa) por falta de interesse. Ele possui o poder da biologia kriptoniana exposta ao sol amarelo, ele tem o verdadeiro poder, o poder de um deus. Não há a necessidade de conquistar o poder dos homens quando se é um super-homem. Embora Kal-El tenha desejos demasiado humanos (Lois Lane, por exemplo), esse não é um deles. Clark não está, portanto, sob a nossa moral (“Ele não vale a pena”) ou possui um superego em dupla camada, ele está, em partes, além da nossa moral (“Você está destinado a coisas maiores, Clark”).
É compreensível, portanto, os motivos pelos quais os fãs mais conservadores dos quadrinhos consideram The Man of Steel como uma afronta ao personagem. Para esses fãs, o personagem é um arquétipo, um mito – e tal como Hércules ou Apolo encarnavam (ou melhor, “enmitavam”) os ideais gregos – que personaliza os ideais modernos (verdade, justiça e bem). Contudo, um filme com essa abordagem já foi feito recentemente Superman Returns (2006), um filme que foi um fracasso retumbante e que foi rapidamente esquecido (aqueles que ainda não esquecerem querem esquecê-lo, eu inclusive). Tal fracasso se deve não ao fato dos mitos estarem fora de moda, mas sim, da crise que afeta os ideais que o mito contemporâneo do Superman representa.
Sob a sombra ameaçadora do fracasso de Superman Returns, é compreensível a opção do trio Nolan / Goyer / Snider de tentar fugir ao máximo de qualquer coisa que lembrasse minimamente o filme anterior. Inclusive na moral, colocando o Superman não acima de nossa moral (a moral contemporânea), mas “ao de lá” de nossos desejos.