Quebrando o trauma
Parte 2 – O surgimento do trauma
O trauma de Lost, embora ainda não esteja listado no DSM-IV, é uma condição psicológica crônica ou aguda com uma incidência que, embora, assim como a doença, não esteja ainda documentada, é bem alta. Com certeza, você conhece alguém que sofre ou já sofreu com essa condição.
Nunca houve uma série como Lost. Se não em termos de qualidade e inovação, pelo menos em termos de fenômeno de entretenimento. Iniciada com um piloto superproduzido (um dos episódios mais caros dessa nova safra do entretenimento televisivo) cheio de ação e suspense, a série fez dos mistérios e das complexas tramas paralelas que se entrecortavam sua marca registrada. Esses mistérios e tramas foram muito além da televisão, webisodes, virais de divulgação, livros, todos eles foram envolvidos no universo do seriado. A cada pergunta que era respondida, duas eram feitas. A cada trama paralela na qual era jogada alguma luz, outras duas eram ocultas por mais sombras. Depois de duas temporadas de tirar o fôlego (com alguns episódios de tirar o sono de tanta tensão), veio uma terceira temporada apenas razoável (com um começo horrível e um meio / final um pouco melhor) que deu força aos corvos do mau agouro que diziam que a série não seria capaz de esclarecer todos os mistérios criados (afinal, enquanto as respostas progrediam aritmeticamente, os mistérios progrediam geometricamente). A série recuperou o fôlego com a quarta e com a quinta temporada (principalmente com o input criativo do roteirista oriundo dos quadrinhos Brian K. Vaughan), mas isso não foi suficiente para recuperar a audiência sensacional da primeira e da segunda temporada, de modo que a sexta temporada veio com o anúncio de que seria a temporada final. Veio também como uma estranha temporada que acabou por dar razão para todos os corvos do mau agouro (doravante: antis): a série não foi mesmo capaz de resolver, pelo menos não de forma satisfatória, pelo menos não para mim, todos os mistérios que ela mesma havia se proposto.
Não sou adepto da ideia de que um final insatisfatório seja capaz de arruinar os dois atos anteriores de um filme ou de qualquer história. É claro, um final insatisfatório sempre nos chateia, mas, por mais brusco que seja o final do livro “Drácula” de Bram Stoker, podemos dizer que isso estraga o terror da criatura ameaçando Mina Harker durante a noite? Por mais anticlimático que seja o final de “O Senhor dos Anéis” (livro e filme) isso apaga a memória da batalha do Abismo de Helm ou o drama da morte de Boromir? Sim, eu sou daqueles que acredita que o importante é a jornada e não o destino. Contudo, quando se trata de uma história de mistério a coisa é diferente. Uma história de mistério é toda construída em direção ao clímax de sua revelação e/ou de seu desvendar. Os dois primeiros atos de uma história de mistério são como uma imensa expectativa para sua realização no ato final. E sim, apesar de todo o drama de personagem (muito bom) presente em Lost, é o mistério que proporciona e fundamente todo esse drama. Portanto, Lost é essencialmente uma série de mistério. Nesse sentido nunca houve uma série como Lost. Nunca uma série foi tão competente (principalmente, em suas duas primeiras temporadas) em construir uma expectativa e depois em frustrá-la em seu Series Finale.
E dessa imensa frustração que nasceu o trauma de Lost em mim e em muitos outros fãs (basta procurar no Google os comentários dos fãs sobre o final da série).
Na próxima parte, mais sobre os sofrimentos que o trauma de Lost traz para o cotidiano. Até lá.