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O começo (ao menos de nosso “recorte”)

Embora seja estranho falar em início das manifestações (com tantos movimentos, tantas causas, muitas delas em pauta há muito tempo), é preciso fazer um recorte. Como o principal tema abordado nesta série de posts é a luta por representatividade e a crise representante / representado, é coerente que este recorte recaia sobre os protestos contra o aumento da passagem de ônibus na cidade de São Paulo, organizados pelo Movimento Passe Livre (MPL).

 

Após a confirmação de que o aumento da tarifa de ônibus na cidade de São Paulo (de R$ 3,00 para R$ 3,20) seria efetivado, o MPL convocou a população e seus militantes às ruas. Mesmo com as revogações de impostos e com os incentivos federais para o setor de transportes públicos (diminuição nos impostos do diesel, desoneração da folha de pagamento, facilidades nos financiamentos para a compra de ônibus, etc.), o aumento, anunciado no ano passado, foi considerado pela prefeitura (sob o comando do recém-eleito petista Fernando Haddad) como irrevogável. Diante da impossibilidade de negociação, O MPL – que, por sua vez, já havia se manifestado e ido às ruas quando o aumento foi anunciado no ano passado – organizou uma série de protestos pela revogação do aumento.

 

Essa primeira série de protestos (bem menor, mais localizada e mais focada do que a onda atual) se concentrou na região da Paulista. Como sempre, há diversas versões a respeito do desenrolar desses “primeiros” protestos. Mas, o que se sabe é que terminaram em uma truculenta repressão policial e em danos ao patrimônio público e privado. No dia seguinte, o movimento recebeu pesadas críticas. Tanto o governador quanto o prefeito desconsideraram os protestos, considerando-os como pequenos, insignificantes e localizados. Já a população condenou-os, acusando os manifestantes de vandalismo. A mídia criminalizou pesadamente o movimento, com direito a editais convocando a polícia a reprimir os manifestantes. Editais que, inclusive, faziam uso de linguajar militar dizendo que era preciso retomar a Avenida Paulista.

 

A respeito da reação da mídia, ecoada pela população, ao movimento (nesse primeiro momento) um pequeno comentário: é de estranhar que o ato de uma ou algumas pessoas em uma situação de tensão ou confronto (ou simplesmente por babaquice mesmo) seja usado e amplamente aceito como argumento contra uma determinada reivindicação popular. Claro que a destruição e a violência são crimes, mas o fato de um (ou alguns) dos participantes de uma passeata cometerem um crime, torna automaticamente todas as reivindicações de todos os demais membros inválidas e indignas de serem discutidas?

 

Voltando ao tema, mesmo com toda essa reação, o MPL decidiu continuar com os protestos. No dia 12 (uma quarta-feira) a tropa de choque da polícia militar seguiu ao pé da letra a sugestão dos editais da imprensa. A paulista foi retomada com spray de pimenta, bombas de gás lacrimogêneo, bombas de efeito moral, cassetetes e balas de borracha.

 

No dia seguinte, centenas de relatos de brutalidade ou de excesso de força policial pipocaram pelas redes sociais. Fotos de manifestantes indefesos sendo atacados com spray de pimenta e cassetetes. Vídeos de ciclistas (que não participavam do protesto) sendo presos, de senhoras que voltavam do trabalho sendo atingidas por balas de borracha e de agentes policiais danificando a própria viatura de modo a “justificar” o confronto…

 

Porém, as imagens não ficaram restritas as novas mídias. A imprensa tradicional (ou velha mídia) também apresentou filmagens de grupos de fotógrafos sendo dispersados com bombas de gás lacrimogêneo, fotos de jornalistas atingidos com balas de borracha no olho e, talvez o caso mais famoso, vídeo de um jornalista sendo preso por porte de vinagre (que seria usado para amenizar os efeitos do gás lacrimogêneo).

 

Diante dessa profusão de imagens de repressão e de força desproporcional, a opinião da população subitamente mudou. Os manifestantes que entravam em confronto com a polícia deixaram de ser vistos como vândalos, arruaceiros e punks e se tornaram trabalhadores, estudantes, amigos, vizinhos e filhos… A imprensa (um pouco por ter sofrido do mesmo excesso de força, e muito para acompanhar a mudança de opinião geral e eximir-se do incentivo anteriormente fornecido à repressão) também mudou subitamente de opinião. Analistas políticos, comentaristas do cotidiano, colunistas e editoriais reviram suas opiniões. E aquilo que era assunto apenas no Twitter e no Facebook daqueles que são mais interessados ou envolvidos em política se tornou a discussão de todos nos bares de Belo Horizonte, nos cafés de Curitiba, nos escritórios de São Paulo e até nos exercícios de conversação das Aulas de francês no Rio de Janeiro

 

No próximo post, a reação dos governantes (prefeito e governador) e a colaboração delas para a massa crítica das manifestações.

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