Se fosse bom não precisava de testemunha e nem se contraía…

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Sábado foi um dia especial para mim. Mas, de forma alguma tão especial quanto o foi para Patrícia. Patrícia, minha amiga, ex-companheira de Moradia Estudantil da Unicamp, minha irmã por opção, casou-se, com o namorado dos tempos de cursinho. O equivalente ao sonho americano de casar-se com o namorado de High School. O sonho de jovens do mundo todo (pois, não teria Hollywood transformado os Sonhos americanos nos sonhos do mundo todo?). Patrícia, enfim, realizava o seu grande sonho e eu testemunhava pela primeira vez o casamento de uma irmã (era novo demais para me lembrar das bodas das outras duas). Mas, nem mesmo em tal ocasião, consegui impedir minha atenção de se voltar as palavras utilizadas.

 

Como citado acima, eu, no altar, do lado direito do genuflexório, “testemunhei” o casamento. É claro, na linguagem comum todos se referem a minha função na cerimônia como “Padrinho”. Mas, na linguagem formal do Código Civil brasileiro desempenhei a função de “testemunha” (se de acusação ou defesa, não sei. Só sei que fui arrolado pela noiva). Como citei em posts anteriores, algumas palavras são acusadas mesmo sendo completamente inocentes, esse, contudo, não é o caso da “testemunha“. A “testemunha” já nasce no contexto jurídico (dentro do direito Romano) e evoca o juramento em nome dos testículos (mãos nos testículos). Ou seja, mais do que justifica o dito popular de que: “se casamento fosse bom não precisava de testemunha”. A ligação dessa palavra a algo ruim (ou no minímo desagradável) é natural e inevitável, afinal, ninguém gosta de comparecer em juízo (advogados e promotores são exceções) e ninguém está suficientemente certo de coisa alguma para arriscar por ela seus testículos (bom, talvez, algumas mulheres). Pode-se dizer, é claro, que o casamento tem um lado jurídico (que só se tornará completamente explicíto em caso de divórcio), de onde ele não passa do que um contrato civil, e contratos precisam de testemunhas.
Um contrato? Que maneira mais triste de ver o dia da realização do sonho de Patrícia. Aposto que ela não o viu assim. Aposto que você não viu, não vê ou não verá o seu casamento assim (pelo menos não no momento). Nem mesmo os próprios juristas o vêem assim, como deixou claro, em seu argumento para o voto a favor da aprovação da união homossexual, o ministro do Supremo Tribunal Federal, Ayres Britto:

…insondáveis domínios do afeto soltam por inteiro as amarras desse navio chamado coração”.

Ora, se nem os juristas da corte suprema da nação olham para o casamento (ou união estável, deixemos a semântica para outro dia. Por enquanto, fiquemos com a sabedoria popular de minha mãe: Amigado com fé, casado é) como um mero contrato, porque o código civil precisa passar essa idéia? Além de cega, deve a Justiça ser insensível?

A outra palavra a me chamar a atenção, contudo, não foi utilizada no aspecto civil do casamento, mas no religioso. O padre no comando da cerimonia abriu-a dizendo que Patrícia e Acácio estavam ali para contrair matrimônio. “Contrair”? Embora signifique, etimologicamente, “trazer para si”, “contrair” está sim mais intimamente ligado a “trazer para si” coisas negativas do que positivas: contraímos empréstimos, doenças, dívidas; contraímos nossos músculos e, quando o fazemos, geralmente o fazemos de tensão, de dor ou para não chorar, muitas vezes por termos contraído empréstimos, doenças, dívidas…

Pode-se arguentar, mais uma vez, que “contrair” seja uma referência ao mundo jurídico, ao microcosmo dos contratos. Mas, a igreja não deveria ver o casamento mais pelos olhos onividentes da lei de Deus do que pelos olhos cegos da lei do homem? Não deveria o padre que celebrou o casamento ver essa instituição de forma ainda mais sublime e mais poética do que o ministro Ayres Brito?

 

Se dependesse de mim, o vocabulário seria apenas a primeira mudança. Toda a cerimônia seria menos cerimoniosa. Mais despojada, menos projetada e mais expontânea e divertida. Sério e importante não são antônimos de divertido. Podíamos chamar os Padrinhos de Observadores, Amigos do Casal, Bicões.. podíamos falar em celebrar, unir, juntar, fazer, pegar matrimônio e a coisa toda continuaria tão importante quanto é.

 

É claro que uma mera mudança de vocabulário não tornaria o dia da Patrícia mais feliz, assim como o jargão atual não o tornou triste. Mas, ajudaria a mudar um pouco o clima e, quem sabe, tornar o seu dia(e aqueles que o antecederam) um pouco menos tensos.

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