We speak no “americano”?

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No ano de 2001, o deputado, representante do estado de São Paulo, Aldo Rebelo apresentou um projeto de lei na casa legislativa para banir o uso de “estrangeirismos” de nossa língua, já que o nobre deputado considerava-os uma demonstração de falta de auto-estima patriótica de nossa parte. Mais especificamente, Aldo se referia a profusão de termos em inglês que atinge com força maior ou menor todos os círculos da sociedade. Tal fenômeno foi comentado neste mesmo blog, no post anterior, especificamente no que diz respeito a sua ocorrência no círculo empresarial (um dos círculos onde tal fenômeno ocorre com maior frequência).

 

Porém, mesmo reconhecendo e incomodado pelo problema, fui, sou e serei contra o projeto de Rebelo e qualquer outro projeto do tipo. Primeiro, porque a língua é mais do que gramática e ortografia e, mesmo que teçamos e assinamos acordos sobre os anteriores, ainda assim, não estaremos legislando a respeito da língua. Porque a língua é escolha, criação e expressão. Às vezes correta, muitas vezes incorreta, adequada ou inadequada, culta ou inculta, mas isso não faz com que ela deixe de ser o suporte (substância, aquilo que “SUBsiste”, em sentido aristotélico) de toda e qualquer expressão. Limitar o uso de palavras seria, então, em termos substanciais (ou seja, no fundo), limitar a própria expressão. Sendo a liberdade de expressão um dos pilares do estado democrático de direito, limitar a língua, legislar sobre as palavras, é ameaçar a própria democracia e a própria liberdade (obviamente, as mesmas restrições que são aplicadas a liberdade de expressão – Paradoxo da tolerância – também devem ser aplicadas à linguagem).

 

Outro motivo pelo qual sempre fui contrário ao projeto (e a opinião de alguns amigos esquerdistas mais empolgados) é que não creio que a difusão dos termos ingleses se deva a uma síndrome de colônia, de vira-lata, de baixa auto-estima nacional. Tal pensamento me parece por demais simplista. Muitos povos que nunca foram colônia e são extremamente nacionalistas usam expressões inglesas: alemães, japoneses, turcos, italianos, bom, os franceses, talvez não, mas não devemos confundir despeito e soberba com auto-estima nacional. Mas, quais seriam, então, os motivos para essa aparente pandemia de expressões inglesas, baby?

 

Rebelo, seus defensores e dezenas de esquerdistas atribuem tal disseminação ao imperialismo americano. Porém, se esquecem de que a língua inglesa foi difundida muito antes, por um império que respondia, realmente, por esse nome: o Império Britânico. A Inglaterra foi a grande potencia mundial dos séculos XVIII ao XX, chegando a possuir colônias na África, América, Ásia e Oceania (o suficiente para fazer inveja a qualquer objetivo de War), tanto que até o início do processo de independência de suas colônias (após a Segunda Guerra Mundial), a Inglaterra também atendia pelo nome de: “Império no qual o sol nunca se põe”. O que durante um longo período foi fazendo da língua inglesa, senão a mais falada no mundo, a mais difundida no mundo, o que na prática é até mais importante.

 

Além disso, os ingleses, após derrotarem a invencível armada espanhola (século XVI) tornaram-se os “senhores dos mares”. Como o mar era a principal rota de escoamento de produtos do capitalismo mercantil, nada mais natural, que a língua inglesa se tornasse a língua do comércio internacional. Com a ascensão da colônia (que antes eram 13) inglesa na América como grande potência capitalista após a Segunda Guerra Mundial, o status da língua inglesa como idioma oficial dos negócios foi apenas se mantendo e se adaptando as mudanças do sistema econômico.

 

Ainda sobre a ex-colônia britânica na América, não se pode deixar de mencionar o imenso sucesso da exportação de sua cultura. Mickey, Batman, Frank Sinatra e Gene Kelly são conhecidos desde a Terra do Fogo até a Indonésia. Nenhuma outra cultura, a despeito de sua riqueza, atingiu tamanha penetração mundial. Tal fenômeno, nem de longe é recente (Mickey é de 1928, Batman e o primeiro álbum de Sinatra são de 1939 e Cantando na Chuva é de 1952). Em terras brasileiras, já em meados dos anos 30, Noel Rosa já identificava o fenômeno e a apontava sua provável causa no samba “Não tem tradução”:

 

“Amor lá no morro é amor pra chuchu/As rimas no morro não são I love you/ E esse negócio de Alô/ Alô, boy, Alô Johnny/Só pode ser conversa de telefone/ O cinema falado é o grande culpado da transformação”.

 

Antes de colocar o ponto final, uma palavra de advertência: o objetivo deste post não é defender ou atacar o uso de estrangeirismos, mas sim apenas o de mostrá-lo como um fenômeno natural gerado e alterado conforme os contatos entre os povos foram se dando e se alterando. Um projeto de lei não seria capaz de deter tal processo, da mesma forma que seria incapaz de alterar a trajetória do cometa Harley. Redigi-lo, considerá-lo e votá-lo seria (e é) tão estúpido quanto um projeto para mudar a mão de trânsito do cometa.

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